A CARTA DA VELHICE
Uma cidade frenética, sorrisos largos, passos ligeiros e vagos,
sons diferentes e iguais atordoavam os ouvidos. Berros e sirenes, um
era criança, outra emergência, tudo era diferente do anterior,
bistrô cheio, vazios, pouca gente, ocupadas com frases aleatórias,
sons e ruídos entre os passos dos atendentes.
A calçada velha, recapada, raízes tentando saltar o cimento
quebrado, uns rachados, ou até mesmo sem ser feitos. Aqueles passos
ligeiros desviavam das pedras e raízes.
As raízes que respiravam com dificuldade, reviviam as imagens de
outrora, sorrisos vazios sem dentes, mas com a alegria surpreendente.
Dois senhores já de idade avançadas conversavam de pernas
cruzadas, mãos com os dedos entrelaçados moviam-se sem separá-los.
Café na mesa, livro aberto, jornal desorganizado, folhas rabiscadas
como tinta azul, poucos números soltos pelas folhas davam um toque
de algo contábil.
Os velhos com sorrisos largos falavam, cantarolavam, faziam piadas e
até mesmo falavam uns palavrões, mas nada deixava de escapar dos
olhos aquela calçada que as pessoas desviavam. — que boa memória
essas pedras revelam! Como o tempo passa! — dizia o senhor de pele
branca e cabelos curtos, já o outro de roupa simples, óculos e com
o livro sobre o colo, balançava a cabeça confirmando a fala do
companheiro, e que cada palavra emitida, soada de cada boca,
batiam-se nas orelhas e voltavam como sorrisos e lembranças tão
distantes.
Os goles de cafés, folhas viradas, sorrisos transparente de
felicidade. Que tarde, melhor dizer, fim de tarde, dia cansativo de
leitura, estudos e desejo de conversar.
- Como antes era tudo diferente! O sol continua o mesmo, mas as
páginas dos livros já lido e relido traz imagens de lembranças
fixadas no tempo e com os reais detalhes e sensações.
- Concordo contigo! Lembra dos parques? Aquelas tardes frias que
íamos correndo para um lugar quente e aconchegante, você com aquela
vontade louca de me ver e conversar.
- Sim! Aqueles cafés que tomávamos, os sucos de laranjas! Tudo nos
vem à memória com um simples toque de algo no nosso paladar para
retomarmos a vívidas sensações e ações de estarmos próximos.
- Claro, mas tudo fazíamos diferente, eram momentos marcantes.
- Como você dizia, tudo era especial. Essa calçada na nossa
frente, não te traz a memória os nossos dias corridos? Que nem
tempo tínhamos para nos vermos? E quando nos víamos todos os dias?
Lembra? Era uma correria as vezes para te ver e depois ir estudar.
- A calçada continua a mesma, poucas mudanças, lembra de quando
andávamos as pressas sobre ela, até reclamávamos dos ajustes da
prefeitura na calçada?
- Pois é, o tempo mudou, a calçada não. Mas olhando para esse
café, lembra da nossa formatura? Dos amigos? E aquelas festas que
zuavamos um monte com os amigos? Que tempo bom e que continua
presente mesmo depois de tanto tempo! Éramos felizes e somos ainda.
- Nunca vou me esquecer daquelas festas, lembra do que você sempre
falava?
- Claro que me lembro, como se fosse hoje eu dizendo aquelas
palavras.
- E as viagens? Esse pedaço de bolo de chocolate não te lembra
algo?
- Sim, as curiosidades de experimentar o novo. Lembra das vezes que
eu te dava umas mordidas nos lanches? Comia as batatas roubadas? E
você sempre com aquele sorriso.
- Que bela amizade formamos, um companheirismo fiel e sincero.
- Sempre fiel e sincero. Você sempre trocava aqueles olhares,
sempre querendo me dizer algo, tínhamos conexões de como se
fossemos casados, amante um do outro, aquele amigo inseparável, um
do outro, para sempre, até hoje.
- Tantas coisas boas, valeram a pena!
- Sim, as vivi do teu lado. Obrigado.
- Lembra de muitas coisas e que cada detalhe que vemos, tocamos,
sentimos, te fazem lembrar de quando o casamento foi feito? Do
pedido? Do beijo?
-Lembro fielmente, momentos inesquecíveis. O teu olhar negro e os
meus de Escobar. Lembro do sorriso que dei no ônibus, do abraço
quente que sentia., do susto.
- Tudo é uma consequência de ago;
- Qual seria a consequência?
- O beijo no parque, o sabor dos teus lábios, o corpo quente e
coração acelerado. Eu lembro e fico feliz. Hoje aquela calçada nos
mostra uma realidade.
- Qual?
- A realidade de nossas mãos estarem entrelaçadas.
Jean Wendrell
12/09/2015
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